Desista de desistir

Uma hora você consegue ser o que disseram que não seria, porque a vida é foda e você precisa parar de achar que a voz dos outros é a sua voz. Eles confundem você, mas somente você vive sua própria vida. Costumo dizer que gostaria de ser o orgulho da família tendo uma profissão magnífica que trouxesse bons frutos e que, com ela, eu pudesse ajudar todos que amo e sentir-me extremamente satisfeito comigo mesmo. É impossível agradar a todos. O status que as pessoas buscam não é relacionado com o fato de nos sentirmos bem, é, como o nome diz, apenas status. E à partir disso sua vida se torna um inferno porque é visto como um completo fracassado que não é como seu primo ou o vizinho bem de vida.
Me sinto exausto com isso porque, sabe, nem seus amores te apoiam. E isso te faz refletir sobre o quanto algumas famílias podem ser tóxicas a partir do momento que abrem a boca pra depositarem suas frustrações na vida do outro. E se você for analisar e acreditar, jamais sairá do lugar.
Se te disseram que é um fracassado, ao menos será um fracassado feliz.
E isso que importa no final.

Conheça PROSPECTO, livro de estreia da autora Tatiane Rodrigues

O que você faria se tivesse o tempo que precisa? E o que faria se tivesse o dom de controlá-lo: mudaria o passado ou continuaria vivendo seu presente? Em Prospecto, isso deixa de ser sonho para tornar-se realidade.
Conheça a sinopse: O impossível é só o começo.
Daiane Campbell é uma garota apaixonada por livros e sonha com o dia em que possa encantar pessoas com suas histórias. O que não esperava era que fosse viver sua própria aventura irreal. Em meio à monotonia da cidade, descobre pertencer ao mundo dos Guardiões, pessoas que têm a missão de proteger o Tempo e abençoadas com dons excepcionais. Quando Michael Jones, um antigo Guardião, ameaça a estrutura desse mundo, Daiane terá que decidir a qual lugar pertence: aos Guardiões ou à vida real. Em meio à guerra, amores e contradições virão à tona e o impossível se torna a única chance de salvar a todos. A palavra Prospecto pode ser tudo o que precisam para vencer, mas também pode levá-los à morte.
E então, você lutará pelo espaço-tempo ou se perderá no passado? Essas são as últimas semanas para adquirir Prospecto com preço promocional. Por apenas R$19,90, o mundo de possibilidades abrirá suas portas.

O lançamento da primeira obra da Tatiane Rodrigues, amiga pessoal e grande escritora, acontece no dia 28 de Agosto, às 15h00, na Bienal do Livro de São Paulo, pela Editora Arwen.

Adquira seu exemplar na pré-venda e receba um brinde especial!

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Carolina Mancini e sua escrita impecável

Com sua escrita impecável, Carolina Mancini me transportou direto ao seu mundo. Quer dizer, ao mundo de Júlia e sua pequena família. É estranhamente maravilhoso sentir a essência de cada um dos personagens logo nas primeiras páginas da obra que, ao meu ver, deve ser fantástica.
O Prólogo nos mostra uma Júlia adulta, caminhando na cidade e aparentemente preocupada com algo, incluindo suas mãos azuladas e a pele do seu pescoço que está mudando. Sua nova forma – algo que não sabemos – talvez esteja tomando conta dela. Logo fazemos uma viagem ao seu passado, algo não tão agradável, mas real.
Dias de Chuva inicialmente nos mostra a vida de uma família pobre sustentada por Rafaela, a mãe. Entre os surtos do marido alcoólatra e viciado em jogos, a mulher precisa cuidar de Júlia – nossa personagem principal -, uma criança de poucos anos e um filho doente que necessita de alguns cuidados especiais. No entanto, o pouco dinheiro que a mulher ganha não é o suficiente nem para se alimentarem como merecem. E quando pensa ter agarrado uma oportunidade para ganhar dinheiro, as coisas saem de controle.
O desespero faz com que ela não sinta o frio quando decide ir ao encontro do marido. Júlia acompanha a mãe, mas como toda criança, sente-se assustada quando o encontram com outro homens, jogando e se divertindo com algo dela. Mas o que mais chama a atenção da pequena Júlia é um desses desconhecidos que acaba se tornando uma peça importante em suas vidas.
Recuperam o que tinham perdido e ganham o que nunca tiveram: a oportunidade de uma vida melhor.
Certo, nada de outro mundo, não é? Não.
Tive a impressão de que o livro guarda muitos e muitos segredos. Júlia e Audrick se encontram depois do homem ter ajudado sua família e ele lhe dá um pequeno presente que supostamente torna os sonhos reais. Acredito que muitos leitores se identificarão com essa parte. Toda criança sonha, toda mulher sonha, todo homem e todo senhor e senhora também sonham, mas às vezes não têm oportunidade para passar da etapa de sonhar e vivê-lo, de fato. Mas Júlia consegue isso, o que mais desejava na vida se tornou realmente seu.
Exceto as certezas.
Audrick não deve nada a família. Audrick não faz parte dela. Então, como saberia de suas necessidades mais profundas? Esse é nosso primeiro mistério. De onde veio, o que faz, por que ajuda desconhecidos e o que existe de mágico no presente que dera à Júlia ou o que existe de mágico nele.
Poucas páginas foram necessárias para que eu sentisse vontade de embarcar nessa história. Carolina me fez sentir a dor da família e os anseios de Júlia. Me fez sentir a essência misteriosa do homem de bem que muda a vida de pessoas de bem. E, além disso, me fez acreditar que alguns dias de chuva podem passar e, quando menos esperamos, o Sol voltar a brilhar.
E quando isso acontece, o que vem depois é uma incógnita. Daquele tipo que não nos cansamos até descobrirmos seu real significado.

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ROMANCE: LITERATURA JUVENIL / FANTASIA

Se neste mundo existissem bruxas e feiticeiras, se existissem criaturas das trevas, matis e visagens e estivessem todos escondidos entre os prédios, na miséria e nos nossos sonhos, as escolhas seriam tão diferentes do que conhecemos?

Julia nasceu no cerne de uma família desestruturada, fruto de vícios, fome e pobreza, mas também nesse mundo, onde a magia se esconde. Ainda criança, conhece Audrick, um jovem soturno e misterioso, que vendo nela um grande dom, intervêm em sua família criando planos e moldando seu destino. Porém, na margem desse caminho, Vânia, tio de Audrick (um homem pérfido e aliciador de jogos de azar) também escreve a trama. Com o tempo, a garota descobre seus próprios segredos e mistérios, até que precisará enfrentar seu maior e mais poderoso rival.

Esta é uma história sobre humanidade, sobre caminhos e destino. Sobre busca e abandono. Sobre encontrar e perder-se. Sobre plantar e colher.

http://estronho.com.br/editora/dias-de-chuva

Enfrente seus pensamentos

Vivo pensando nas diversas coisas que aprendo todos os dias – ou quase isso. Quando criança, aprendi que não devia conversar com estranhos. E esse é um dos ensinamentos mais práticos que ouvi até esse momento. Avistar alguém desconhecido, ignorar e ser feliz. Deixando qualquer perigo para trás. Exato, desde criança aprendemos que o mundo é, de certa forma, muito perigoso.
Gostaria de ainda ver o mundo através dos olhos de um menino.
Quando penso naqueles anos, embora precise me esforçar para resgatar algumas frases tênues e imagens quase transparentes, sinto-me bastante enganado. Muito tempo se passou, diversas oportunidades chegaram e se despediram, mas em nenhum momento, mesmo que curto, ensinaram-me a me proteger dos meus pensamentos – que hoje me tiram a paz. Chego a conclusão de que nada é mais forte e mais perigoso que esses sons que invadem minha cabeça e conversam comigo como se vivessem para isso e, por isso, não me abandonam nunca: não me abandonam em uma manhã calma; não me largam em uma tarde chuvosa e nem em uma noite que deveria ser preenchida por paz e um travesseiro macio.
Existem vários perigos no mundo, mas acho que esse mata aos poucos. É estranho querer fugir de você mesmo; querer silenciar o que faz parte de você e está fora de controle. Você se sente inútil, às vezes coloca as mãos na cabeça como uma forma inútil de abafar as vozes. Você coloca uma música e enfia os fones de ouvido nas orelhas, pois, se querem te ver triste, assim será – e coloca a música mais triste que conhece, talvez Photograph – Ed Sheeran. E, claro, pensamentos não são lágrimas para escaparem pelos olhos cansados.
Sem sucesso.
Ler um livro parece não adiantar, paro na primeira metade. Assistir a uma série, muito menos. As vozes e as histórias felizes ou até mesmo tristes, não me afetam em nada. Me tiravam o riso antes, mas hoje, não. Como se uma rocha estivesse os assistindo; como se um ser sem coração estivesse de olhos abertos, esperando uma viagem que nunca chega. Um trem vazio, rodas enferrujadas e um desfiladeiro na esquina mais próxima, que insiste em fazer o mesmo caminho, todos os dias.
E a culpa é toda minha.
Costumo me fazer de fraco, mesmo sabendo que não sou, não. É estranho saber da força que tenho e não conseguir usá-la. Bem estranho, mesmo. Mas acho que assim como aprendi a ignorar estranhos, também, mesmo que involuntariamente, aprendi a ignorar tudo aquilo que não me faz bem. No entanto, as coisas não funcionam assim. Algumas, talvez a maioria, precisam ser vistas, sim. Não adianta tentar ignorar como “o homem do saco”, aquele da infância. Tinha medo dele, mas da mesma forma que evitava encontrá-lo, lutava para pensar que ele não existia. Preciso voltar a fazer isso: lutar, lutar e lutar. Pensar que os pensamentos existem porque eu quero que eles existam; porque não movo um músculo para afastá-los de mim e isso envolve correr em busca de algo que faça com que eles se afastem, mesmo que para isso eu precise me afastar de algumas coisas.
Quero voltar a me admirar como era. Desejo conseguir colocar a cabeça no travesseiro e pensar somente nos sonhos que vão chegar. E caso os pesadelos venham, enfrentá-los como quem enfrenta um pensamento ruim: o tipo de gente mais corajosa que existe.
Enfrentar o mundo é fácil. Lutar contra um mundo que vive na sua cabeça é o mais difícil, mas isso não significa que seja impossível. Então, pensamentos ruins, fujam! Aprendi que corajoso é aquele que consegue enfrentar vocês.
E eu farei isso.

Autora da série “Harry Potter” discursa em Harvard

A primeira coisa que eu gostaria de dizer é ‘muito obrigado’. Não somente Harvard me deu uma honra extraordinária, mas as semanas de medo e náusea que eu tenho vivenciado ao pensar em fazer um discurso nesta cerimônia de formatura me fez perder peso. Uma situação em que só ganhei! Agora tudo o que eu tenho a fazer é respirar fundo, dar uma olhada nas bandeiras vermelhas e enganar a mim mesma, acreditando que estou na mais bem educada convenção Potter do mundo.

Fazer um discurso em uma cerimônia de formatura é uma grande responsabilidade; ou assim eu pensava até eu relembrar a minha própria formatura. O orador da cerimônia daquele dia foi a distinta filósofa britânica Baronesa Mary Warnock. Refletir sobre o seu discurso me ajudou enormemente a escrever esse aqui, porque percebi que eu não conseguia lembrar de uma única palavra que ela dissera. Essa descoberta libertadora me possibilitou continuar sem qualquer receio de que eu poderia influenciar vocês a inadvertidamente abandonar suas carreiras promissoras nos negócios, na justiça ou política para as delícias vertiginosas de se tornar um bruxo gay.

Estão vendo? Se tudo o que vocês se lembrarem nos próximos anos for a piada do “bruxo gay”, eu ainda saí à frente da Baronesa Mary Warnock. Objetivos alcançáveis: o primeiro passo para o aperfeiçoamento pessoal.

Na verdade, eu tenho procurado em minha mente e meu coração o que eu deveria dizer hoje a vocês. Perguntei a mim mesma, o que gostaria de ter sabido em minha própria formatura, e quais lições importantes eu aprendi nos 21 anos que se passaram entre aquele dia e este.

Surgiram-me duas respostas. Neste dia maravilhoso, quando estamos todos reunidos para celebrar vosso sucesso acadêmico, eu decidi falar com vocês sobre os benefícios do fracasso. E, como vocês estão no limite do que muitas vezes é chamado de ‘vida real’, eu quero exaltar a importância crucial da imaginação.

Essas escolhas podem parecer idealistas ou paradoxais, mas por favor me ouçam.

Olhando para trás, aos 21 anos de idade que eu tinha na formatura, é uma experiência um pouco desconfortável para a mulher de 42 anos a qual me tornei. Metade do tempo de minha vida, eu estava em um desequilíbrio preocupante entre a ambição que eu tinha para mim mesma, e o que aqueles mais próximos esperavam de mim.

Estava convencida de que a única coisa que eu queria fazer, sempre, era escrever romances. No entanto, meus pais, ambos os quais vieram de origens pobres e nenhum dos dois tinham ido à faculdade, achavam que a minha imaginação fértil era uma divertida loucura pessoal e que nunca poderia pagar uma hipoteca, ou garantir uma aposentadoria.

Eles tinham esperanças de que eu teria um diploma vocacional; eu queria estudar Literatura Inglesa. Um acordo foi feito e que, em retrospecto, não satisfez ninguém, e eu fui estudar Idiomas Modernos. Mal o carro dos meus pais dobrava a esquina no fim da rua e eu descartava Alemão e corria para os corredores de Literatura Clássica.

Não me lembro de ter contado aos meus pais que estava estudando Literatura Clássica; eles podem muito bem ter descoberto pela primeira vez no dia da formatura. De todos os assuntos desse planeta, acho que eles dificilmente poderiam indicar um menos útil do que Mitologia Grega, quando isso veio para assegurar as chaves para um banheiro executivo.

Eu gostaria de deixar claro, entre parênteses, que não culpo meus pais pelo ponto de vista deles. Existe uma data de validade em culpar seus pais por nos colocar na direção errada; o momento em que você é adulto o suficiente para tomar o controle, a responsabilidade recai sobre você. Além disso, eu não posso criticar meus pais por esperarem que eu nunca experimentasse a pobreza. Eles tinham sido pobres, e eu já fui pobre, e concordo completamente com eles de que esta não é uma experiência enobrecedora. A pobreza implica em medo, e estresse, e, algumas vezes, depressão; isso significa milhares de pequenas humilhações e dificuldades. Sair da pobreza por seus próprios esforços, é de fato algo para se orgulhar, mas a pobreza em si é romantizada apenas pelos tolos.

O que eu mais temia quando tinha a idade de vocês não era a pobreza, mas o fracasso.

Na sua idade, apesar de uma clara falta de motivação na Universidade, onde eu tinha gasto muito tempo escrevendo histórias em cafés, e pouquíssimo tempo assistindo palestras, eu tinha uma aptidão em passar nos exames e que, por anos, tinha sido a medida de sucesso na minha vida e na dos meus colegas.

Não sou tola o suficiente para supor que, por serem, jovens, talentosos e bem educados, vocês nunca passaram por dificuldades ou mágoas. O talento e a inteligência nunca imunizaram ninguém contra o capricho do Destino, e nem por um momento eu imaginei que todos aqui têm desfrutado de uma existência de contentamento e privilégios serenos.

No entanto, o fato de vocês estarem se graduando em Harvard sugere que não estão muito bem familiarizados com o fracasso. Vocês poderão ser conduzidos por um receio do fracasso tanto quanto por um desejo pelo sucesso. De fato, sua concepção de fracasso pode não estar muito longe da idéia de sucesso de uma pessoa comum, tão alto que vocês já voaram academicamente.

No fim das contas, todos precisamos decidir, por nós mesmos, aquilo que constitui o fracasso, mas o mundo é bastante ávido para lhe dar um conjunto de critérios, se você deixá-lo. Por isso acho justo dizer que por qualquer medida convencional, meros sete anos após o dia da minha formatura, eu tinha fracassado em escala épica. Um casamento de duração excepcionalmente curta, eu estava desempregada, era uma mãe solteira, e tão pobre quanto é possível ser na Grã-Bretanha moderna sem ser uma desabrigada. Os receios que meus pais tinham tido para mim, e que eu tinha tido para mim, ambos tinham acabado por acontecer, e de acordo com cada padrão normal, eu era a maior fracassada que conhecia.

Agora, eu não vou ficar aqui e lhes dizer que a frustração é divertida. Esse período da minha vida foi bem obscuro, e eu não tinha idéia de que ia acontecer aquilo que a imprensa tem, desde então, descrito como uma espécie de fim de conto de fadas. Eu não tinha idéia de quão longo era o túnel e, por muito tempo, qualquer luz em seu fim era mais esperança do que realidade.

Então por que eu falo sobre os benefícios do fracasso? Simplesmente porque fracasso significa se despir do que não é essencial. Eu parei de fingir a mim mesma que eu era diferente, e comecei a orientar toda a minha energia em terminar o único trabalho que importava para mim. Se eu realmente tivesse alcançado sucesso em qualquer outra coisa, eu poderia nunca ter encontrado a determinação para ter sucesso naquela área na qual eu verdadeiramente acreditava que pertencia. Eu estava em liberdade, porque o meu maior receio já tinha sido realizado, e eu ainda estava viva, e ainda tinha uma filha a quem eu adorava, e tinha uma velha máquina de escrever e uma grande idéia. Então o fundo do poço se tornou a base sólida sobre a qual eu reconstruí a minha vida.

Talvez vocês nunca falhem na escala que eu falhei, mas alguns fracassos na vida são inevitáveis. É impossível viver sem falhar em algo, ao menos que você viva de forma tão cautelosa que você pode não ter vivido de verdade – nesse caso, você falha por omissão.

O fracasso me deu uma segurança interna que eu nunca tinha atingido passando em exames. Ele também ensinou coisas sobre mim que eu não poderia ter aprendido de nenhuma outra forma. Descobri que tinha uma grande força de vontade e mais disciplina que suspeitava; também descobri que eu tinha amigos cujo valor estava realmente acima de rubis.

O conhecimento que você adquire sábia e fortemente a partir de uma derrota significa que você está, sempre, seguro de sua capacidade de sobreviver. Vocês nunca vão conhecer verdadeiramente a si mesmos, ou a força de seus relacionamentos, até que ambos tenham sido testados pela adversidade. Esse conhecimento é um verdadeiro dom, por isso que é adquirido arduamente, e tem significado para mim mais do que qualquer qualificação que já ganhei.

Se me dada uma máquina do tempo ou um Vira-Tempo, eu diria ao meu eu de 21 anos que a felicidade pessoal reside em saber que a vida não é uma lista de verificação de aquisições ou realizações. As suas qualificações, o seu currículo, não são a sua vida, embora vocês vão conhecer muitas pessoas da minha idade e mais velhas que confundem as duas coisas. A vida é difícil e complicada, e além do controle total de qualquer um, e a humildade de saber isso irá capacitar-lhes para sobreviver às suas inconstâncias.

Vocês poderiam pensar que eu escolhi meu segundo tema, a importância da imaginação, devido ao seu papel na reconstrução da minha vida, mas não é inteiramente por isso. Apesar de que eu defenderei o valor de contar histórias para dormir até meu último suspiro, eu tenho aprendido a valorizar a imaginação em um sentido muito mais amplo. A imaginação não é apenas a única capacidade humana para prever aquilo que não é, e, por conseguinte, a fonte de todas as invenções e inovações. Na sua capacidade argumentável mais transformadora e reveladora, é o poder que nos permite simpatizar com seres humanos cujas experiências nós nunca compartilhamos.

Uma das maiores experiências da minha vida antecedeu Harry Potter, apesar dela informar muito do que eu escrevi nesses livros em seguida. Essa revelação veio na forma de um dos meus primeiros empregos diurnos. Embora eu costumasse dar uma fugida para escrever histórias durante minha hora de almoço, eu paguei o aluguel, aos meus vinte e poucos anos, trabalhando no departamento de investigação na sede da Anistia Internacional, em Londres.

Lá, em meu pequeno escritório, li cartas escritas rapidamente contrabandeadas dos regimes totalitários por homens e mulheres que arriscaram serem presos ao informar o mundo exterior do que estava acontecendo com eles. Eu vi fotografias daqueles que tinham desaparecido sem deixar rastro, enviadas à Anistia por suas famílias e amigos desesperados. Eu li os testemunhos das vítimas de tortura, e vi fotos de seus ferimentos. Eu abri descrições escritas à mão de testemunhas oculares dos julgamentos e execuções sumárias, de seqüestros e estupros.

Muitos dos meus colegas de trabalho eram ex-presos políticos, pessoas que tinham sido deslocadas de suas casas, ou fugiram para o exílio, porque eles tiveram a audácia de pensar independentemente de seu governo. Os visitantes ao nosso escritório incluíam aqueles que tinham vindo para fornecer informações, ou tentar e descobrir o que havia acontecido àqueles que eles tinham sido obrigados a deixar para trás.

Nunca vou esquecer do africano, vítima de tortura, um jovem não mais velho do que eu era naquela época, que tinha se tornado mentalmente doente depois de tudo que ele tinha sofrido em sua terra natal. Ele tremia incontroladamente enquanto falava para uma câmera de vídeo sobre a brutalidade exercida contra ele. Ele era alguns centímetros mais alto do que eu, e parecia tão frágil quanto uma criança. Foi-me dada a tarefa de escoltá-lo à estação de metrô mais tarde, e esse homem cuja vida foi destroçada pela crueldade pegou a minha mão com sensível cortesia e me desejou um futuro de felicidade.

E enquanto eu viver vou lembrar de caminhar por um corredor vazio e, de repente, ouvir por detrás de uma porta fechada, um grito de pânico e horror como nunca ouvira antes. A porta se abriu, e a pesquisadora enfiou a cabeça par fora e disse para eu correr e preparar uma bebida quente para o jovem sentado com ela. Ela tinha acabado de lhe dar a notícia de que, em retaliação pela própria sinceridade do rapaz contra o regime de seu país, a mãe dele havia sido presa e executada.

Todos os dias da minha semana de trabalho no início dos meus 20 anos eu era lembrada de quão incrivelmente sortuda eu era por viver em um país com um governo eleito democraticamente, onde um representante legal e um julgamento público eram direito de todos.

Diariamente, eu via mais provas sobre como os males da humanidade irão infligir sobre os seus companheiros, para obter ou manter o poder. Eu comecei a ter pesadelos, literalmente pesadelos, acerca de algumas das coisas que vi, ouvi e li.

E ainda assim eu aprendi mais sobre a bondade humana na Anistia Internacional que eu nunca havia aprendido antes.

A Anistia mobiliza milhares de pessoas que nunca foram torturadas ou presas por suas crenças a agir em nome daqueles que já foram. O poder da empatia humana, que conduziu à ação coletiva, salva vidas e liberta prisioneiros. As pessoas comuns, cujo bem estar pessoal e segurança estão garantidos, juntam-se a um grande número para salvar pessoas que eles não conhecem e nunca conhecerão. Minha pequena participação nesse processo foi uma das experiências mais inspiradoras da minha vida.

Diferente de qualquer outra criatura nesse planeta, os seres humanos podem aprender e compreender sem terem experimentado. Eles podem pensar em si mesmos na mente de outras pessoas, se imaginar no lugar de outras pessoas.

Evidentemente, esse é um poder, como a minha marca de magia fictícia, que é moralmente neutra. Podemos usar esta habilidade tanto para manipular, ou controlar, como simplesmente para compreender ou simpatizar.

E muitos preferem não exercer suas imaginações de forma alguma. Eles optam por permanecer confortavelmente dentro dos limites de sua própria experiência, nunca se preocupando em perguntar como seria ter nascido diferente do que são. Eles podem se recusar a ouvir os gritos ou espreitar dentro das grades; eles podem fechar suas mentes e corações para qualquer sofrimento que não os toquem pessoalmente; eles podem se recusar a saber.

Eu poderia ser tentada a invejar pessoas que conseguem viver dessa maneira, exceto por achar que eles não têm menos pesadelos que eu. Escolher viver em espaços estreitos pode levar a uma forma de agorafobia (medo de lugares abertos), e que isso tem os seus próprios terrores. Eu acho que quem é intencionalmente sem imaginação vê mais monstros. Muitas vezes eles têm mais medo.

Além disso, aqueles que optam por não se simpatizar podem habilitar os verdadeiros monstros. Pois mesmo sem nunca cometermos um ato claro de maldade, nós colaboramos com isso através da nossa própria apatia.

Uma das muitas coisas que aprendi no fim do corredor de Literatura Clássica no qual eu me aventurei aos 18 anos, em busca de algo que eu não conseguia definir, foi isso, escrito pelo autor grego Plutarco: O que nós alcançamos internamente mudará a realidade exterior.

Essa é uma afirmação surpreendente e ainda comprovada milhares de vezes todos os dias de nossas vidas. Ela exprime, em parte, a nossa inevitável ligação com o mundo exterior, o fato de que nós tocamos as vidas de outras pessoas simplesmente por existirmos.

Mas o quão mais vocês estão, formandos de Harvard de 2008, destinados a tocar as vidas de outras pessoas? Sua inteligência, sua capacidade para o trabalho duro, a educação que vocês receberam e passaram, dão a vocês status único e responsabilidades únicas. Até a sua nacionalidade os destaca. A grande maioria de vocês pertence à única super potência remanescente do mundo. A maneira com que vocês votam, a maneira com que vivem, a forma com que protestam, a influência que têm sobre seu próprio governo, tem um impacto muito além de suas fronteiras. Esse é o seu privilégio e o seu fardo.

Se vocês escolherem usar seu status e influência para levantar suas vozes em nome daqueles que não têm voz; se optarem por identificarem-se não apenas com os poderosos, mas com aqueles que não têm poder; se vocês preservarem a capacidade de imaginar a si próprios na vida daqueles que não têm as suas vantagens, então não vão ser apenas as suas orgulhosas famílias que vão celebrar vossas existências, mas milhares e milhões de pessoas cuja realidade vocês têm ajudado a transformar para melhor. Nós não precisamos de magia para mudar o mundo, nós já carregamos todo o poder que precisamos dentro de nós mesmos: nós temos o poder de imaginar melhor.

Estou quase terminando. Eu tenho uma última expectativa para vocês, que é algo que eu já tinha aos 21 anos. Os amigos com quem me sentei no dia da formatura têm sido os meus amigos para a vida. Eles são os padrinhos dos meus filhos, as pessoas a quem eu tenho sido capaz de recorrer em momentos de dificuldades, os amigos que têm a gentileza de não me processarem quando usei seus nomes para os Comensais da Morte. Na nossa formatura, fomos ligados por uma enorme afeição, pelas nossas experiências compartilhadas de um tempo que nunca poderia voltar e, é claro, pelo conhecimento que temos guardado em certas evidências fotográficas que seriam extremamente valiosas se alguns de nós concorrêssemos a Primeiro Ministro.

Portanto, hoje eu posso lhes desejar nada melhor do que amizades parecidas. E amanhã, mesmo se vocês não lembrarem uma única palavra minha, espero que se lembrem aquelas de Seneca, outro desses romanos antigos que eu conheci quando fugi para o corredor de Literatura Clássica, em fuga de uma carreira promissora, em busca da antiga sabedoria:

Conforme um conto, assim é a vida: não o quão longa ela é, mas o quão boa, é o que importa.

Desejo a todos vidas muito boas.

Muito obrigada.

 

JK ROWLING
Discurso da autora na formatura da Classe 2008 de Harvard

Harvard Magazine ~ JK Rowling
05 de junho de 2008
Tradução: Daniel Mählmann
Revisão: Fabianne de Freitas,
do Potterish.

Um carta para meu pai alcoólatra

 

Antes de tudo, gostaria de ser ingrato e, por um instante, odiar o fato de ser um escritor.  Você nunca vai saber como é a dor de não poder escrever seus sentimentos para uma das pessoas que mais ama no mundo porque essa pessoa jamais vai entender.  Eu poderia enrolar um pouco, substituir nomes ou fingir muitas coisas, mas prefiro escrever um dos textos mais honestos que escrevi e escreverei em toda a minha existência.

 

Oi, Pai!

Estou aqui na cozinha e você, como sempre, na sala e deitado no sofá. 18h02 é o horário o qual você geralmente está em algum dos bares da vila, mas acho que hoje não é um dia bom para o senhor. Pra ser sincero, me doeu bastante vê-lo passando mal, pálido e suando. Sei que é porque não come desde anteontem, mas como da última vez, poderia ser algo muito pior.

Certo, eu sei que não posso te dar mais broncas, já dei tantas que acredito ser inútil, embora eu seja uma das pessoas que você mais ouve. Todas as manhãs, tardes e noites vivo em busca de uma solução e, até agora, me sinto inútil por não encontrar um modo de fazer com que a bebida não seja prioridade. Sei que é fácil dizer certas coisas quando não se tem um vício desses, mas você sabe que é difícil fingir que algumas coisas não aconteceram e não acontecem.  É difícil aceitar o fato de que pessoas que amam podem ser substituídas por uma garrafa de vidro que, diariamente, destrói famílias. E, mais difícil ainda, é sentir que você pode estar me deixando.

Nunca te contei, mas às vezes, quando a mãe está no trabalho, vou ao quarto dela e começo a vasculhar nossas fotos antigas e ver como as coisas eram diferentes. Você bebia, mas não como hoje. Você me pegava no colo, me colocava na sua barriga e dormíamos juntos, algo que já não sei o que é desde que me entendo como garoto. Também tem uma foto de você na quadra da escola com algumas garotas, sorrindo e sendo alguém que não me lembro da última vez que vi.  Gostaria de entender como isso acontece; como pôde nos deixar ainda vivo.

Sendo sincero e usando uma palavra que odeio, sempre senti inveja dos meus amigos com seus maravilhosos pais. Nunca quis que você não fosse o meu, só queria que você fosse diferente, como no dia em que foi me ver dançar na pré-escola e bateu palmas no meio da multidão sóbria. Eu sabia que estava bêbado, mas foi um dos momentos mais felizes que consigo me lembrar. No entanto, essa memória feliz dura poucos segundos ao ver que, desde o ano passado, você mal consegue andar e ir ao mercado: agora você me pede para ir comprar cigarro, comprar cachaça, ir ao mercado e até mesmo colocar comida no prato. E preciso te contar uma coisa: a parte da cachaça me deixa triste, mas vou porque o medo de encontrá-lo atropelado é maior que tudo. Quando você vai e volta carregado já é uma tremenda dor, imagine não voltar mais? Acredito não estar totalmente preparado, pai. Quero que entenda isso.

Semana retrasada eu fui na casa da Bruna e o pai dela me chamou pra ir ao mercado com eles. Quando chegamos lá, me lembrei de quando inauguraram um mercado aqui na avenida e você me levou, há anos. Acho que é a última lembrança que tenho de um dia no qual saímos juntos e bem. E essa lembrança foi o motivo para que eu começasse a chorar descontroladamente desejando que esses momentos voltassem. Eu sabia que sentia sua falta, mas até o pai dela agir como meu pai, eu não não conseguia me lembrar do quanto sinto falta disso: de ter uma família completa. Compramos pizza, cerveja e algumas outras coisas, mas acabei não comendo. Eu só sentia vontade de chegar em casa e ver tudo bem, mas alguns sonhos são impossíveis – e me dói dizer isso.

Realmente não me importo quando você faz xixi no chão, sei que é difícil chegar ao banheiro na maioria das vezes. O estranho é saber que chegar na cozinha e pegar sua garrafa é fácil, por isso costumava quebrá-las com toda a raiva no coração, mas entenda que não era raiva de você, era ódio da situação.  Era um sentimento ruim que me consumia, um cansaço tremendo que ainda me consome, porém sei que o seu é maior.

Sua fala é mansa sem a bebida. Seus olhos brilham de uma forma diferente sem a bebida. Seu caminhar é diferente sem a bebida. Seus pensamentos são diferentes sem a bebida: não grita, não quer bater e toma banho, longe de ser teimoso.

ESSA PORRA DE BEBIDA nos distanciou, pai. É como se vivêssemos uma vida vazia e distante, aparentemente também é um tipo de castigo porque nada além disso explica. Sei que você já chorou dizendo que queria se internar, mas ela é mais forte que a vontade e também parece ser maior que qualquer amor que exista dentro desse coração silencioso que possuiu e que um dia vai parar de bater.

E, nesse dia, sei que estará livre, como um pássaro voando pelo universo. E essa é a única coisa que me conforta: saber que um dia todos seremos livres das dores que nos assombram. Não quero que se preocupe com as garrafas ou se o almoço estiver pronto quando decidir comer, quero que tenha sua chance de, mesmo sem vida, viver.

Do fundo do meu coração, só quero isso: que você viva.

Mesmo que não seja por aqui.

Com amor,

seu filho do coração.

 

 

 

Se a dor avisasse antes de chegar

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Ah, eu te amo, viu? O grande problema é que você me deixou no meu pior momento. Sei que deve soar um tanto estranho dizer isso, mas você me deixou quando eu não estava preparado para ser deixado, entende? Existem algumas situações bem simples, do tipo: hoje vou acordar e ir à padaria, voltar e comer. Viu? Eu estava preparado. No entanto, nunca estive preparado nem mesmo pra começar a me preparar pra ideia de perder você caber na cabeça e no coração.  Não sei… Acho que podia ter esperado um pouco, alguns meses, anos. Na verdade acho que uma noite seria o suficiente, nem que fosse a última. Certo, a anterior foi a última, mas gostaria que tivesse deixado pistas em alguns cantos do quarto e da casa; talvez dessa forma aquela tarde quente não fosse tão necessária.

Porra, não consigo entender, de verdade. Sei que as pessoas fazem promessas, às vezes até trocam objetos que representam o amor, outras possuem um lugar especial que visitam com frequência… Mas acredito que, no meio disso, à partir de agora, algumas pessoas precisam criar lugares de despedida. Meio louco, né? Sim! Sei que é meio louco, mas, olha, seria bem válido. Um grande exemplo é: se aquela praça fosse o nosso lugar de despedida, eu pediria pro taxista virar na outra esquina e talvez ainda estivéssemos juntos.

Uma grande jogada.

OK, talvez não funcionasse muito bem, mas seria uma boa tentativa. E, além disso, seria um bom aviso. Me prepararia para o último abraço ou o último beijo e, assim, não ficaria triste por saber que permaneceria triste por um grande período de tempo, talvez me sentisse feliz por ser avisado da dor que sentiria. É bem magico. Algumas pessoas não suportam a dor porque, na maioria das vezes, ela chega sem avisar e te derruba da mais alta torre ou prédio. Já pensou se todas as dores enviassem avisos antes de aparecer? O mundo se prepararia e seria forte antes mesmo de ser realmente preciso, não pareceria que a dor é um grande fardo, talvez parecesse uma pedra no sapato.

E se eu soubesse, usaria chinelos.

O mundo quer te moldar

 

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É difícil desconstruir o que a vida moldou durante grande parte de nossa existência. É difícil fugir dos medos que nos assombram, sejam eles amorosos, familiares ou profissionais. A grande questão é que tudo parece ser complicado quando nos colocamos no lugar o qual realmente pertencemos: o mundo.

Nós vivemos, mesmo que involuntariamente, em uma bolha. Quando o metrô abre suas portas, dificilmente esperamos atenciosamente até que os passageiros se retirem e permitam a entrada perfeita e sem esbarrões. Quando vamos à feira, sentamos nos bancos de plástico da pastelaria e pedimos o nosso pastel, não queremos saber se ainda existem muitas pessoas esperando, queremos agora, quente e acompanhado de um caldo-de-cana ou um refrigerante que dizemos tanto fazer mal. Quando vemos um pássaro volitando de encontro ao céu, queremos guardá-lo e admirar sua beleza, mesmo que isso o prive de sua saudosa liberdade.

O grande problema em tudo isso é o fato de não sermos tão rápidos ou exigentes quando trata-se de algo muito importante: nosso sonho. E nisso também pode ser inserido o nosso amor.

Quando crescemos nos vemos envoltos em cordas que parecem nos sufocar. Não é como se literalmente nos prendessem, parece algo mais como um impulso que pensamos ser para seguir, mas na maioria das vezes é para que possamos voltar a algo que, na verdade, nunca tivemos. Disso, como sabemos, tiramos experiências péssimas. Eu não concordo com o fato de termos a grande obrigação de aceitar o que temos porque existem pessoas que não tem o mínimo para uma vida saudável e feliz. Como dizem pelas esquinas do mundo, cada um sabe a dor que carrega, cada um entende o sonho que carrega e cada um sente o amor que habita o coração.

Nunca deixe ninguém moldar isso.

Posso ser um filho da puta preguiçoso pra muita coisa, ou transparecer a imagem de um alguém que sempre deixa as coisas pra depois. E, de fato, eu sou. Mas em meio a isso, também sou um sonhador, um grande amigo e, ao meu ver, um bom filho. E uma coisa que me incomoda muito, é que mesmo que façamos qualquer coisa para sermos pessoas melhores, alguém sempre vai vasculhar a droga da sua vida ou inventar paranoias sobre seu caráter e tentar fazer disso um grande inferno. O homem é assim.

O mundo quer faculdade. O mundo quer dinheiro.O mundo quer um bom emprego. O mundo quer uma grande carreira. O mundo quer uma boa casa. O mundo quer que você não fale palavrão. Ah, ele também quer que esse emprego seja considerado bom, mesmo que você não goste dele. E, depois disso, ele quer que você acorde cedo, se vista com os padrões estabelecidos, pegue um ônibus cheio – porque, claro, alguns nem isso podem fazer – , siga rumo ao emprego que não gosta, ganhe seu dinheiro, chegue em casa sem reclamar e, no outro dia, faça a mesma coisa. Uma espécie de ciclo vicioso que, nós, como falsos exigentes, caímos.

E eu não acredito que as coisas não podem ser diferentes.

Sei que grande parte das pessoas carregam um peso: a quem devo orgulhar hoje? Uma foto, uma frase, uma faxina, uma música, o inglês. Porque é muito difícil orgulhar alguém sendo você mesmo. Porque muita  gente politicamente correta exige que sejamos nós e que não deixemos o mundo mudar isso, mas quando vamos contra seus gostos pessoais, mesmo que isso não atinga ninguém de uma forma negativa, somos monstros, idiotas e imbecis. O engraçado disso é que, no final das contas e análises, se mostram ser iguais a qualquer um.

Basicamente, esse texto é sobre cansaço. Como nos sentimos fracos quando essa pressão nos assombra. O filho da vizinha tem um carro. O primo da amiga passou em Medicina. Sua irmã estuda muito. O pai da vizinha publicou um livro. E você continua na mesma.

Será que preocupar-se com tudo isso é mais importante? Sinto como se as pessoas preferissem viver uma vida falsa. E sabendo que não sabemos nada sobre ter somente uma ou bilhões, arriscar torna-se um grande passo sem volta.

E pra esse tipo de coisa, eu teço, pinto e bordo um incrível “foda-se” na camisa e desfilo por aí. Vocês não vão me fazer um robô.

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JACINTA

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Terça-feira

 

 

 Fazia um dia de Sol.

Um dia, não: uma bela manhã.  Bela como a fotografia que Jacinta admirava nas mãos trêmulas durante quase toda sua jornada. No dia, ela lembrava-se,  ao acostar-se na grande rocha e preencher os pulmões de maresia, não possuía as rugas atuais, nem os cabelos brancos e tampouco a fraqueza nas pernas. Fora uma jovem vívida e admirada por grande parte dos que tinham o prazer de conhecê-la. Dona Jacinta quase não encontrara inimigos durante seus sessenta anos de vida, exceto seu filho.

O asilo cheirava a madressilvas e a hortelã salpicado na maioria das vezes. Feixes de luz adentravam as brechas das grandes janelas que permitiam a entrada do mundo nos infindáveis cômodos da propriedade privada na qual muitos jaziam.

Ela possuía uma grande sorte envolta no azar. Encontrava-se bem, diferentemente de Glória, Edmundo, Dona Ana e o velho Gonçalo. Por outro lado, a cama dura incomodava suas costas cansadas e as fraldas ardiam o traseiro. Naquele momento ela levantava-se, cautelosa, sentindo os ossos se mexendo dentro do corpo e o medo caminhando no coração. A enfermeira já não tinha paciência, erguia Jacinta com rapidez, mesmo com suas reclamações. Era rude, a senhora não era rápida. Helena realmente não tinha paciência, e Jacinta chorava.

Todas as manhãs, sentia-se sozinha mesmo com braços envoltos em seu corpo enrugado e esquecido.

— Cinco minutos e te tiro do banho –  disse a enfermeira, deixando a senhora no extenso box, sem vigias. — Hoje é seu dia – finalizou, deixando-a.

E de fato aquele era o dia de Jacinta.

O cartão de aprovação chegara na semana anterior para beneficiá-la e libertá-la ao menos uma vez na semana. — Isso é sério? – indagou, com água nos olhos claros. — Obrigado, Sr. Lup. E o diretor assentiu.

Podia sentir-se velha, sim, mas dor nenhuma apagara sua vontade de ensinar àqueles que careciam de ensinamentos. O Estado podia ser duro, os alunos podiam fumar durante a aula ou até mesmo preferir ouvir músicas a ouvi-la lecionar, mas a mulher não se importava. A sensação de atravessar o jardim, deixando os muros e a velharada mesmo que por algumas horas seria única. Os três anos anteriores foram duros e rastejaram-se ao seu encontro, mas toda lesma encontra sua casa, afinal.

E a felicidade encontrara seu coração naquela manhã.

Sra. Jacinta já havia preparado sua aula. Passara o último ano organizando as palavras que usaria, o modo de agir depois de tempos afastada e também os apelidos que daria aos alunos mais dedicados como forma de carinho. Amava isso: apelidar. Felipe, seu filho, também costumava adorar.  

O chuveiro liberava água fria, fazendo seus dentes tilintarem ao ensaboar-se, enxaguar-se e se retirar do lugar dando lugar a Maria, uma das loucas.

— Já terminei! – ela gritou. — Já terminei! – disse novamente.

E Helena surgiu.

— Já te ouvi! – trovejou, beliscando os seios da mulher. — Pro quarto.

Sua primeira aula, na escola do outro lado da avenida se inciaria dali uma hora e ela não podia atrasar-se. Engoliu a dor e a vontade de reclamar pela décima vez, era o que a enfermeira do diabo queria. Odiava Jacinta.

— Você não vai atrapalhar o meu dia, não esse – a senhora a encarou, penteando seus cabelos brancos e ralos. — Se você é livre todos os dias, tudo bem, Helena, mas eu não – finalizou, enquanto passava seu batom rosa claro nos lábios miúdos e murchos. Vestia sua saia florida e sua blusa de moletom amarela.

 

 

O corredor seria mais espaçoso sem todas aquelas cadeiras de rodas e também seria mais agradável sem o som dos gemidos dos deficientes que jamais receberam visita alguma. Outras duas enfermeiras cuidavam dos idosos enquanto Jacinta atravessava entre olhares esquecidos. Sentia-se em uma espécie de céu como há muito não se sentia. Uma das melhores coisas seria libertar-se do cheiro de mijo e das merdas de gatos sem casa que transitavam durante noites quentes.

— Boa sorte, Jacinta! – desejou Ana, que pedia insistentemente para que alguém pegasse suas melhores roupas e a vestisse para ver seu filho. O filho que já havia partido deste mundo.

— Obrigado, minha amiga – Dona Jacinta beijou-lhe a testa. — Fique linda.

Palavras que invadiram a mulher até se ver finalmente livre.

O cheiro da rua parecia diferente, assim como o chão.  O cheiro da escola também, embora fosse escondido pelo constrangimento que a mulher sentia após tanto tempo longe de qualquer lugar fora dos muros. Um dos supervisores do asilo a acompanhava, Calleb.

— A aula dura cinquenta minutos – ele disse. — Virei daqui setenta, mas não conte a ninguém – ele pediu. — Aproveite.

Jacinta subiu as escadarias sem problema, enchendo os pulmões da mais pura liberdade.

— Que roupa fora de moda – ela ouvia uma garota dizer. E as outras riam. Ia de encontro a sala número 11, segundo ano. Estava tudo muito mudado, as escolas eram muito organizadas quando era uma jovem professora. Dois alunos esperavam sob o umbral.

— Segundo Ano? – ela perguntou gentilmente. — A?

Olharam-na estranhamente, mas concordaram com a cabeça.

A sala de aula estava cheia de garotos e garotas. E era estupidamente estranho comparar com o lugar de onde viera. Números bem diferentes. Rostos joviais como suas antigas fotografias.

— Como estão? – ela disse, colocando seu material na mesa. — Um bom dia, não?

— Não – disse um garoto do fundo. — Ainda mais com uma velha na minha frente.

Jacinta corou. Seus braços estremeceram.

— Me chamo Jacinta. A aula é de Filosofia – ela disse, tentando ignorá-lo.

O mesmo garoto disse:

— E vai ensinar o que? A pensar sobre como as estrelas iluminam nossas vidas ou sobre sonhos idiotas de gente que nem estuda pra isso?

Jacinta se irritou, aproximando-se do garoto.

— Que tal aprender um pouco de educação com os mais velhos? É o primeiro passo.

A classe o vaiou.

— E que tal aprender a vestir roupas de gente e parar de feder a merda?

— Caio! – gritou uma garota ao lado. — Desculpe, professora, ele é um babaca.  

 

A classe fez silêncio enquanto a mulher dirigia-se à lousa. O giz assobiou ao tocá-la.

 

  • O que é liberdade?
  • A importância dos sonhos.
  • Escreva uma palavra.

 

— Quero que respondam. Vocês tem dois minutos.

Sem questionar, os alunos retiravam seus cadernos e lápis de suas bolsas para iniciar a aula. Aquela sensação envolvia o coração da mulher de uma forma incrível. Voltara trinta anos no tempo, quando lecionara na antiga escola de Felipe. Quando acariciava seus curtos cabelos loiros antes de entregar-lhe os trocados para o lanche; quando o levara ao médico pela primeira vez: catapora; e quando o viu pela última vez, parecido com o pai.

Jacinta estava sozinha na sala desenhando algo. Seu neto estava ao seu lado, chorando. Distraída com as cores que usava e com o som do feijão na penela, não conseguia prestar atenção no menino. Ele berrava, sim, agora lembrava-se, mas não era motivo certo para Felipe entrar com os cuidadores e levá-la. Não era um objeto velho, sentia ter utilidade por muito tempo ainda. Quem daria comida ao menino, trocaria suas fraldas e desenharia a família?

Mas não era hora de pensar naquilo.

— Professora! ela ouviu-a chamando. — Professora?

Jacinta parou de observar o vazio.

— Suponho que já tenham terminado – ela disse. — Quem será o primeiro?

Uma garota ergueu o braço direito.

— Qual o seu nome? – ela perguntou.

— Priscila, professora – respondeu a menina, sorrindo. — Mas pode me chamar de Lila.

— Lila, quais foram suas respostas? – perguntou a senhora. — Poderia nos dizer?

— Liberdade é tudo, sem ela não somos nada – começou a dizer. — Os sonhos são importantes porque nos fazem levantar todos os dias e acreditar em algo e em nós mesmos.

— Muito bem, menina. — Qual palavra escolheu?

— Chocolate – Lila respondeu. E a classe riu.

Jacinta foi ao quadro negro outra vez.

— Agora… – ela começou a dizer. — Três questões importantes.

Sua cabeça começou a doer.

 

  • Onde  está Felipe?
  • Por quê?
  • Meu neto.    

 

Os alunos não entenderam. A senhora ficou parada e alguns alunos riram.

— Professora? – outra garota a chamou.

Jacinta começou a juntar seus materiais, ignorando a todos.

— Preciso vê-lo. Preci-i-so vê-lo! – ela dizia. A mulher saiu da classe antes do tempo previsto, voltou o caminho que fizera na entrada, descendo a escadaria azul abarrotada de migalhas e pombos e pediu para que um inspetor abrisse o portão.

— É importante – ela disse. E ele não contestou.

— Até amanhã, professora! – e lhe sorriu.

Os carros buzinavam e o farol estava verde. A faixa de pedestre ficava bem próxima, o que facilitou o caminho. O mundo parecia bem maior além dos muros e da escola. O vento da manhã fazia seu cabelos se movimentarem com força e Jacinta saltitava ao atravessar a rua e cumprimentar pessoas que provavelmente jamais veria de novo.

— Cabelo lindo! – disse à uma menina. — Viu Felipe?

Alguns se assustavam.

— Conhece a casa Nº 51? – gritava.

O carros rápidos, farol verde. Amarelo. Vermelho. Seu moletom enroscara em um arbusto antes de atravessar, o vento levou o pano  ao meio da rua.

Jacinta correu para apanhá-lo, indo em direção ao caminhão de carga. Abaixou-se, pegando o pano.

— Felipe! – ela gritou, vendo um homem aproximando-se.

E o caminhão continuava, até que Jacinta viu somente o escuro.

 

 

Sexta-feira

“O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que provoca o declínio das funções intelectuais, reduzindo as capacidades de trabalho e relação social e interferindo no comportamento e na personalidade.”

 

Lila parou na porta do quarto sem saber o que fazer. O cheiro pútrido do quarto incomodava seu nariz arrebitado e só conseguia sentir vontade de correr e não voltar mais.

— Por que não voltou? – ela perguntou. Jacinta não a respondeu. Olhava para a parede e a garota não via seu rosto. — Pensei que tivesse gostado – sentia as lágrimas acariciando seu rosto.

— Pode me ajudar? – perguntou a senhora, erguendo a mão direita. — Preciso me sentar.

Dona Jacinta segurava a foto que tanto amava. Um pouco amassada, mas ainda podia vê-la. — Essa era eu.

— Muito bonita, Professora – Lila respondeu. — Quem é esse rapaz?

A mulher hesitou por alguns instantes. Lila arrependeu-se de ter feito a pergunta, mas já era tarde.

— Meu amado Alexandre – ela respondeu. — Viemos juntos para cá, mas como pode ver… – mas Lila interrompeu-a: Certo! Não precisa falar sobre isso se não quiser.

— Ele foi um bom homem, posso te garantir isso – agora Jacinta mal conseguia completar as palavras. — Sabe de uma coisa, minha filha? Eu acho que liberdade não é algo bom.

Lila não soube o que dizer. Aquilo não fazia sentido.

— Quando papai soltava os cavalos no sítio, eles apreciavam sua liberdade por alguns instantes e logo se escondiam de novo – parecia feliz ao lembrar-se. — Acho que acostumavam-se com a prisão e quando lhes era permitido a liberdade, não sabiam o que fazer com ela.

— Mas todos nascemos livres – disse a menina. — É questão de costume.

Jacinta encarou a garota. Os olhos de oceano encontraram os olhos escuros e grandes. — E eu me acostumei com este lugar.

Lila não conseguia aceitar aquilo. Ninguém deveria se acostumar com um lugar vazio daqueles.

— Mas a suas aulas? Sua vontade de ensinar? – perguntou à Jacinta.

— Existem lições que não podem ser aprendidas. Se você não nasce com amor no coração, passa a vida toda o mendigando.

— Não seria o contrário? – indagou Lila. — Pessoas sem amor é que fazem as outras mendigarem. Elas são cruéis.

Jacinta sorriu.

— Não existe, no céu ou na terra, crueldade maior que viver sua vida procurando por algo que está dentro de você. E se você não se conhece, não pode conhecer o mundo.

— Eu… – disse Lila.

— Diga isso à ele – pediu Jacinta. — Sei que um dia Felipe vai retornar, mesmo que seja com flores. — Agora peço que se retire. Uma velha precisa descansar.

— Volto depois de amanhã – alertou Lila. — Vou trazer chocolates.

— Chocolates?

— Sim.

— Acho melhor não.

— Por quê?

— Eles acabam. Que tal trazer um sorriso?

Lila sorriu.

— Ah… Certo, já tenho um agora. Pode trazer os chocolates, então. Eles espantam pesadelos.

— Sério? – perguntou Lila. — Nunca ouvi falarem disso.

— Você vai poder aprender muitas coisas, menina, pois já aprendeu a mais importante.

— Matemática?

Jacinta caiu na gargalhada.

— Não, oras! – exclamou. — Quer dizer, talvez. Se você souber medir a importância de coisas pequenas. Somadas elas tornam-se grandes.

— Então, vou indo – Lila beijou-lhe a testa. — Fique linda.

— Não tenho como ficar como você – Jacinta apertou a mão de Lila.  — Quer brincar? Naquele instante ela não era uma senhora. E a garota deixou o quarto, ouvindo o choro de Jacinta e Helena correndo para fazê-la parar; a senhora que em poucos segundos parecia ter visitado o seu passado, atravessando os corredores, o jardim e o grande portão enferrujado e indo de encontro ao oceano que tanto amava e, finalmente, sendo livre.

Um tipo de liberdade dolorosa e com prazo de validade.

Lila  olhava para dentro do asilo todos os dias, posso afirmar. Me contaram sobre minha mãe há anos, quando decidi me redimir. Cheguei tarde. Talvez jamais sinta o que Jacinta sentiu, mas já sinto a dor.

Jacinto: esse deveria ser meu nome. Ainda mais agora que o asilo também é minha casa. A diferença é que eu não poderei sair:jamais fui bom em ensinar.

Então, agora aprendo.

— Lila! Já é hora do chocolate?

—Teve pesadelos de novo, Felipe?

                                                                                                                                  — R. Uccello

Asas de Sangue

“— Eles diziam que ódio geraria uma guerra. – disse Cassandre. — Eu digo que ódio gera vitória. Aquela sensação de espera e, quando mostra ao mundo que pode vencer – ela sorriu ironicamente, como se fizesse isso a todo instante – é a melhor do mundo.”
— Asas de Sangue, R. Uccello.

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